sábado, 14 de janeiro de 2012

Das cartas que eu não escrevo mais (a série)

SEM DAR AVISO

Sem dar aviso, você chegou. Chegou e, sem que precisasse bater à minha porta, entrou. Uma camiseta, um encontro inesperado, numa tarde de terça-feira aparentemente como uma outra qualquer... Como essas coisas inexplicáveis que acontecem. Inexplicáveis, sim, mas que, nem por isso, deixamos de ousar falar sobre elas. Ou mais que isso: deixamos de ousar vivenciá-las.

Pois você foi entrando e, sem que fosse preciso convite algum, foi me descobrindo... Me resgatando. Você resgatou em mim o ar de contemplação. Eu, por minha vez, sem titubear, quis te descobrir da mesma maneira, da melhor maneira. E nos descobrimos bestas. Sem que um soubesse que o outro assim se encontrava, no primeiro momento.

Apenas e tão somente no primeiro momento. Porque nos flagramos, em seguida... Nos flagramos sem fala, sem reação, nas nuvens, sonhando juntos, em paz... Reparo cada gesto teu, cada movimento, teus olhos doces... Atitudes que me deixam estremecido, boquiaberto. E assim, você passou a ser a cúmplice de tudo que eu fiz, faço e vou fazer! Sem dar aviso!

Porque você é assim, um misto de menina e mulher... A pureza da criança e a destreza de gente grande. E eu, palhaço desengonçado, do circo aparentemente sem futuro, do retrato em preto-e-branco, do sorriso escondido, voltei a brilhar perto de ti. Porque você me traz o ar que me faltava. Um sopro de vida!

Tanto que fico sempre acometido de uma gostosa indecisão quando do teu lado fico. Não sei se te olho, não sei se sinto teu cheiro, não sei se te cubro de beijos, não sei se te abraço; não sei, na verdade, o que fazer primeiro. Sei que mergulho nos teus olhos, no teu sorriso que me desmonta e no seu carinho que, em seguida, me remonta como nunca antes houvessem conseguido.

Sem dar aviso, você chegou! Chegou e, agora, me conjuga no tempo verbal mais-que-perfeito. Dessa maneira, vamos construindo nossa casa de sonhos. Sonhos lindos que não me canso em viver, em realizar. Simples, leve e feliz. Brilhando mais forte. Ao teu lado!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Das cartas que eu não escrevo mais (a série)

MOÇA, OLHA SÓ O QUE EU TE ESCREVI

Foi tudo isto que eu cacei durante algum e bom tempo: de borboletas a papel de caderno com poemas riscados. Não penso mais na carta ou no poema que não te escrevi, muito menos naquela flor que não foi entregue em suas mãos. Há tantas cartas e tantas flores, e lindas flores que, estas sim, são suas porque foram por mim dadas. Sim, é claro, eu ainda falo de flores, de várias agora, não mais de apenas uma, porque...

Há algo diferente no ar... Afinal, eu mudei de tom. Você mudou de tom. Colorido agora? Preto-e-branco já foi, era, já passou... Uma surpresa? Uma capacidade de te abalar, de te deixar assim, meio boba? Desconcertada, seria a palavra mais certa, não? Desconcertado fico eu e, assim, meus olhos ficam a procurar os seus; e a procurar seu rosto esperando que você os arranque de mim para que, logo em seguida, coloque-os de volta.

Ainda falo dos encontros que não aconteceram e dos desencontros, porque são tantos. Porém, ouso agora pensar nos que aconteceram, no filme que vimos, do jeito que vimos, da maneira que sentimos. Afagos, sua voz, mãos que tanto me estremecem, sorrisos, momentos, violinos, balbucias... Mesmo que por pouquíssimo tempo, os violinos souberam cantar a beleza do momento, ainda que com som triste. E assim foi exatamente o momento: belíssimo. Tudo isso eu costumo chamar de... caprichos do tempo.

Capricho do tempo... É pensar, além de tudo, que hoje vivemos o presente daquilo que imaginamos ser futuro há quase cinco meses. É, não há mesmo necessidade em se entender quando a palavra já é certa, na hora certa, no tempo verbal certo, talvez mais-que-perfeito. E o acaso nada tem a ver no nosso caso. Sim, de uma vez por todas, este é um caso sem acaso. Sabemos o que fazemos. E do nosso amor a gente é que sabe, mesmo.

Porque descobri que se eu quebrar, você se arrisca. Que se eu quebrar, você me cola, sim, e me reinventa. Você me cola, me cala, me cuida, me completa, me espalha, e desconcerta, porque é você que sabe como ninguém. Ou eu é que sei te fazer isso tudo? É, acho que quando quebramos você faz com que nos juntemos completos, assim, dessa forma.

Eu sei que naquele jardim devia ter muitos insetos, que não aquela, aquela mesma... E já que não podemos fazer com que essa mesma borboleta, de muito tempo atrás, volte até nós e nos encontre, deixe então que eu a pintarei pra você, com as mesmas cores de agora. E então será eternizada como algo que não era só uma borboleta, assim como é eternizado tudo que eu já te escrevi, ou que escrevi porque você, simplesmente, existe.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Sobre "Caminho de Pedras", um filme de Lázaro Ribeiro

Cidade de Goiás, a Cidade-Patrimônio! Dos velhos e novos encantos! Dos museus, do Palácio Conde dos Arcos, do casario colorido, das igrejas, da Procissão do Fogaréu, das serenatas em noites de lua cheia, do nascer e por do sol vistos lá do alto da Igreja Santa Bárbara. Da Praça do Coreto, do Chafariz de Calda, da Cruz do Anhanguera, dos caminhos de pedra, das doceiras, das pontes, dos becos e das ladeiras que engrossam as pernas das donzelas. Da permanência e da transição. Cidade em que até o profano se reveste de sagrado. E onde a moça feia, de nome Aninha, a velha Cora Coralina que ganhou o mundo, se abonitou em poesia.

O curta-metragem Caminho de Pedras tem, assim, o seu mérito, ao ser a primeira ficção baseada na obra da poetisa mais famosa do estado de Goiás. E nos caminhos de Aninha, por entre becos e outras histórias. Um roteiro bem escrito. Imagens exuberantes, montagem interessante, ângulos inusitados. Tudo pensado e feito com bastante cuidado e paixão pelo diretor Lázaro Ribeiro. Tive a oportunidade de acompanhar um pouco desse processo quando morei na antiga Vila Boa e posso dizer, sem pestanejar, que Lázaro é um vilaboense de coração. Caminho de Pedras é a sua grande prova de amor à cidade e à vida e obra de Cora Coralina.

Veja o trailer:

domingo, 30 de outubro de 2011

Manuela

Caminhava pela rua carregando uma sacola com coca-cola, queijo, peito de peru e sonho. A solidão, sua fiel escudeira, lhe acompanhava. Ficou um pouco assustada ao ser abordada por um homem que perguntava se ela falava português. Respondeu que sim. Ele era árabe. Foi elogiada e recebeu um convite para jantar. Disse que não. Ele insistiu e, segundos depois lamentou a resistência da garota e foi embora. Chegou em casa. Guardou as compras. Se embebedou junto com a solidão. Por vários momentos olhava pela janela. Alto ali do sétimo andar, longe via o chão da garagem e se perguntava se o salto seria fatal. Mais um gole. Outro. E outro. Acabou por não decidir por nada. Essa apatia que a consome faz com que ela tome decisões precipitadas, se descontrole, se perca, enlouqueça... Ah essa loucura... jamais será perdoada. E assim ela vai levando, implorando para que não acorde na manhã seguinte, assim a providência viria de Deus e não dela. E nesse afã de tentar se descobrir, continua existindo.

por Danyella Carvalho*




*A amiga Danyella Carvalho escreve pequenos textos sobre mulheres. Cada um para cada nome, completando o alfabeto. Gostei desse sobre a Manuela, nome, inclusive, sugerido por mim. Como o Beco andava precisando ser atualizado e a Dany anda precisando voltar a ter blog, resolvi postar Manuela aqui.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O menor homem do mundo

Por estas ruas e avenidas, por estes becos de palavras duras como pedras, havia um homem. Um homenzinho. Um pouco torto na vida, já que muitas de suas escolhas eram consideradas a contramão da maioria. Era, de fato, um homenzinho diferente. A começar pelo tamanho. Não, não falo de sua altura, nem de seu físico, visto que era até um rapaz magro e de alta estatura, coisa de um metro e setenta e oito centímetros. Não falo, então, de seu tamanho literal. Este rapaz era o menor homem do mundo em outras coisas. Basicamente, tornava-se menor a cada abandono que sofria. E sentia.

É que o menor homem do mundo nunca teve ares de sedutor. Cresceu sem tantas paqueras, enquanto os outros rapazes, os maiores homens do mundo, digladiavam-se em uma competição sempre acirrada na arte da conquista. O menor homem do mundo nunca quis, a bem da verdade, entrar nessa disputa. O que ele sempre queria, quando alguma garota diferente aparecia, era chegar de mansinho, com sussurros, e ser companheiro e cúmplice. Quando seu coração ganhava o coração de uma menina, o menor homem do mundo ficava grande. Ficava enorme. Ficava maior que os maiores homens do mundo. E geralmente em estado bestial.

Aí, quando o menor homem do mundo ficava gigante assim, pronto! Era um tal de querer fazer da tal menina a maior mulher do mundo. Sempre. E seguia então o homenzinho fazendo de tudo para fazê-la feliz. Para vê-la bem. E por tantas vezes, o menor homem do mundo trazia, para a menina, a lua, bela e cheia de brilho, em forma de poesia. Ele, o homenzinho. Que tantas vezes ganhava o dia com os sorrisos dela. Que outras tantas vezes velava o sono da maior mulher do mundo, contemplando sua pele macia enquanto afagava seus cabelos. Ele, que tantas vezes ganhava noites e madrugadas pra dar mais força em seus escritos. Porque ela, assim como ele, era uma garota que lia e escrevia.

E o menor homem do mundo ia cada vez mais se agigantando. Ele, que por tantas vezes dava o seu abraço para que ela pudesse deitar. E a fazia dormir. Ele que, vejam só!, por algumas vezes até lavou pratos e copos para poupá-la de mais trabalho. E que todas as vezes agradecia a Deus por ela existir em sua vida e por ele fazer parte da dela. O menor homem do mundo não cabia em si de tão grande que ficava. Ele, das cestas de café, das flores, dos livros. Dos bombons em tardes difíceis, das desavisadas surpresas. Das conversas de toda ordem, dos emails, da paciência, das gargalhadas deliciosas. Das massagens, dos carinhos, das fotografias. Dos filmes, dos jogos na tevê, das músicas...

Mas é que o menor homem do mundo, mesmo quando era gigante assim, não deixava de ser o menor homem do mundo. Ainda mais quando o coração que havia ganhado o seu coração resolvia deixá-lo, talvez por ser este rapaz o menor homem do mundo. Ele, logo ele! Que tanto fazia para que aquele coração não o esquecesse, tampouco pensasse em esquecer, em deixá-lo. Ele, logo ele, que mesmo sendo o menor homem do mundo, pensava ter algum valor, pensava ter valido a pena tudo o que ele era e o quão gigante se tornava... Ele, logo ele! O homenzinho que só queria ter sido especial. O menor homem do mundo que virou poesia calada e esquecida.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

No meu beco, agora...

No meu beco, agora,
as palavras são pedras.
Silenciosas. Silenciadas.
Emudecidas. Duras.
São pedras, agora,
as palavras deste meu beco.

Era amor-tecido.
Agora, amorticídio.
Amorticínio.
Amortecedores.
Amor tece dores.
A morte, cedo, res... vala.

Resquício.
No meu beco, agora,
As palavras são pedras de silêncio e dor.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Vai um bolinho aí?

Há 30 anos é assim. Em uma pequena portinha no quase centenário Mercado Municipal da histórica Cidade de Goiás, estabelecimento simples, apertadinho, com apenas um balcão, uma estufa e uma mesinha em frente, dona Inês Brais Alves, sexagenária, vende o tradicional bolinho de arroz. O morenaço já sai logo de manhãzinha, lá pelas sete e pouco, quentinho de dar água na boca. Bolinho pra gente simples, bolinho pra gente importante; para o desempregado, e para o Governador.

As autoridades e os famosos já vieram comer do bolinho de arroz da Dona Inês? De quais a senhora se lembra?

Veio muita gente, assim... Quando é dia de aniversário de Goiás, já veio o Marconi, já veio o Alcides, as lideranças deles já vieram tudo comer bolo de arroz aqui... Prefeito de Itapuranga, sabe? Artista eu não lembro, não...

***

Há uma lenda vilaboense que diz que quem bebe da tal Fonte da Carioca (nome encurtado para o Chafariz do Largo da Carioca, também conhecido como Poço do Bispo, a primeira fonte pública de abastecimento de água do município), sempre retorna à antiga Vila Boa. Mas com o bolinho da Dona Inês, a coisa é mais certa que uma lenda. Ele conquista qualquer um, já na primeira mordida. É saboroso, doce no ponto certo. Quem come, volta à antiga Vila Boa e não deixa de novamente se deliciar com o “primeiro e único” bolinho de arroz, o de Dona Inês. Mulher simples, que aparenta mais idade do que realmente tem, certamente por ter cuidado mais dos onze filhos que de si mesma.

Quando peço para me contar o segredo do tal bolinho, Dona Inês desconversa, como se quisesse manter o ouro trancafiado, escondido, inacessível. Mas acaba contando alguma coisa:

Tempera ele, com os ingrediente, tudo de primeira linha. Agora mesmo nós já vamos amassar. Só coisa boa, tudo muito bem cuidado, queijo bom, fubá bom, sabe? Vai comprar os produtos no supermercado, só coisa boa. Aí tempera, põe ele pra pousar e no outro dia assa...

Mulher de poucas palavras - mas que diz muito -, Dona Inês é natural da Cidade de Goiás. Aprendeu a fazer o bolinho ainda muito jovem, quando morava na fazenda com o pai. Depois, mudou-se para Mato Grosso, onde continuou o ofício de fazer a gostosura. De volta à Cidade Patrimônio, conseguiu um ponto no tradicional mercado, onde está há cerca de três décadas, com o seu avental xadrez azul e uma toquinha na cabeça.

Há outros locais ali no próprio mercado que oferecem o bolinho de arroz, em tamanho menor. Mas o sucesso do bolo da nossa querida senhora é inegável. Há quem esteja viajando e passe pela cidade só para buscar uma encomenda de dez, vinte, trinta bolinhos – quando é pouco.

É um sucesso... O pessoal gosta. E fala quando a gente não vem... “Ah, não... queria levar o da senhora!” – diz Dona Inês, orgulhosa e com um olhar de simplicidade.

Dona Inês está sempre ali, o dia todo, com a sua portinha aberta, pronta para atender qualquer um com um bolinho e um copo de café quentinho que acabou de sair. Todos os dias, de domingo a domingo, com sol ou com chuva. Mas há uma vez ou outra em que ela não abre. Quando acontece algo grave, ela conta. Com a ajuda da filha Marilene – que já faz tudo igualzinho à mãe e ainda atende a clientela. Quando é ocasião de festa na cidade, chegam a fazer até dez fornadas, o que representa cerca de mil bolinhos vendidos. Em dias comuns, esse número fica perto de 150 morenaços.

– Tira um dinheirinho bom por mês?

– Dá pra tirar um dinheirinho bom. Porque a família é grande, né? E ainda tem um menino meu que tem depressão, trato dele também, lá em Goiânia. Dá pra sobreviver. Não sobra muito não, mas dá.

E assim, Dona Inês vai seguindo, feliz, vendendo o primeiro e único bolinho de arroz da Cidade de Goiás. Falando pouco, mesmo, mas marcando a vida de muita gente e ganhando a simpatia de todos. É como se a Dona Inês fosse, como a própria cidade, um patrimônio. A vovó de todos nós que nos recebe com gostosuras acabando de sair do forno. Vai um bolinho aí?