quarta-feira, 31 de março de 2010

Exército de um homem só

Ah, coração!, exército de um homem só. Apenas, e só. Último soldado de uma guerra interna. Interminável. Pedaços soldados: porque só é dado, inteiro, e no resgate. Um sobrevivente! E há resgate, quando ouve ao longe, bem longe, algum sussurrar inquietante que parece suplicar: volte a bater, o quanto antes, o quanto puder. Coração que bate, apanha, mas volta a bater. Reticente e inocente, sofrível vencedor.

Ah, coração! Como ousa ser tão só? A guerra, interminável, acabou. O sussurrar que suplica, implora. De quem é a voz? É somente uma única voz? Ah, exército de um homem só, a procura de um abraço, ao menos um abraço, porque “abraçar é encostar um coração no outro”, sempre diz Apoena. E encostar um coração no outro é juntar dois exércitos. Não mais guerra! Não mais soldados. Não mais pedaços. Reconstrução. Paz.

Ah, coração! Não ouse enlaçar-se só, hipnótico, inerte, rumo ao enforcamento. Um não ao amoricídio eterno. A contradição indesejável do órgão que fala calado, e grita baixo, e se silencia querendo berrar. Não caber em si de tanto... Vazio! Um vazio bem cheio, sempre do bom e do melhor. Transfusão que percorre veias, pulsante, mas um sangue órfão. Sangue viúvo do último soldado. Ah, exército de um homem só!