segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Vai um bolinho aí?

Há 30 anos é assim. Em uma pequena portinha no quase centenário Mercado Municipal da histórica Cidade de Goiás, estabelecimento simples, apertadinho, com apenas um balcão, uma estufa e uma mesinha em frente, dona Inês Brais Alves, sexagenária, vende o tradicional bolinho de arroz. O morenaço já sai logo de manhãzinha, lá pelas sete e pouco, quentinho de dar água na boca. Bolinho pra gente simples, bolinho pra gente importante; para o desempregado, e para o Governador.

As autoridades e os famosos já vieram comer do bolinho de arroz da Dona Inês? De quais a senhora se lembra?

Veio muita gente, assim... Quando é dia de aniversário de Goiás, já veio o Marconi, já veio o Alcides, as lideranças deles já vieram tudo comer bolo de arroz aqui... Prefeito de Itapuranga, sabe? Artista eu não lembro, não...

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Há uma lenda vilaboense que diz que quem bebe da tal Fonte da Carioca (nome encurtado para o Chafariz do Largo da Carioca, também conhecido como Poço do Bispo, a primeira fonte pública de abastecimento de água do município), sempre retorna à antiga Vila Boa. Mas com o bolinho da Dona Inês, a coisa é mais certa que uma lenda. Ele conquista qualquer um, já na primeira mordida. É saboroso, doce no ponto certo. Quem come, volta à antiga Vila Boa e não deixa de novamente se deliciar com o “primeiro e único” bolinho de arroz, o de Dona Inês. Mulher simples, que aparenta mais idade do que realmente tem, certamente por ter cuidado mais dos onze filhos que de si mesma.

Quando peço para me contar o segredo do tal bolinho, Dona Inês desconversa, como se quisesse manter o ouro trancafiado, escondido, inacessível. Mas acaba contando alguma coisa:

Tempera ele, com os ingrediente, tudo de primeira linha. Agora mesmo nós já vamos amassar. Só coisa boa, tudo muito bem cuidado, queijo bom, fubá bom, sabe? Vai comprar os produtos no supermercado, só coisa boa. Aí tempera, põe ele pra pousar e no outro dia assa...

Mulher de poucas palavras - mas que diz muito -, Dona Inês é natural da Cidade de Goiás. Aprendeu a fazer o bolinho ainda muito jovem, quando morava na fazenda com o pai. Depois, mudou-se para Mato Grosso, onde continuou o ofício de fazer a gostosura. De volta à Cidade Patrimônio, conseguiu um ponto no tradicional mercado, onde está há cerca de três décadas, com o seu avental xadrez azul e uma toquinha na cabeça.

Há outros locais ali no próprio mercado que oferecem o bolinho de arroz, em tamanho menor. Mas o sucesso do bolo da nossa querida senhora é inegável. Há quem esteja viajando e passe pela cidade só para buscar uma encomenda de dez, vinte, trinta bolinhos – quando é pouco.

É um sucesso... O pessoal gosta. E fala quando a gente não vem... “Ah, não... queria levar o da senhora!” – diz Dona Inês, orgulhosa e com um olhar de simplicidade.

Dona Inês está sempre ali, o dia todo, com a sua portinha aberta, pronta para atender qualquer um com um bolinho e um copo de café quentinho que acabou de sair. Todos os dias, de domingo a domingo, com sol ou com chuva. Mas há uma vez ou outra em que ela não abre. Quando acontece algo grave, ela conta. Com a ajuda da filha Marilene – que já faz tudo igualzinho à mãe e ainda atende a clientela. Quando é ocasião de festa na cidade, chegam a fazer até dez fornadas, o que representa cerca de mil bolinhos vendidos. Em dias comuns, esse número fica perto de 150 morenaços.

– Tira um dinheirinho bom por mês?

– Dá pra tirar um dinheirinho bom. Porque a família é grande, né? E ainda tem um menino meu que tem depressão, trato dele também, lá em Goiânia. Dá pra sobreviver. Não sobra muito não, mas dá.

E assim, Dona Inês vai seguindo, feliz, vendendo o primeiro e único bolinho de arroz da Cidade de Goiás. Falando pouco, mesmo, mas marcando a vida de muita gente e ganhando a simpatia de todos. É como se a Dona Inês fosse, como a própria cidade, um patrimônio. A vovó de todos nós que nos recebe com gostosuras acabando de sair do forno. Vai um bolinho aí?