quinta-feira, 4 de março de 2010

O Quarto do Filho – o delicado drama de um psicanalista

Quando ouvimos uma música em nosso toca disco, podemos, com o apertar de um simples botão do controle-remoto, voltar atrás, ouvir a canção novamente, ou a partir de um determinado ponto. A vida, no entanto, não dispõe desse artifício; não podemos rebobiná-la e evitar certos acontecimentos. Esse é o drama em que se encontra o pai de família Giovanni Sermonti, no longa italiano O Quarto do Filho (La Stanza Del Figlio, 2001), do diretor Nanni Moretti, que também é responsável pelo roteiro e interpreta o personagem em questão.

Giovanni tem, aparentemente, uma vida normal na pacata cidade de Ancona, na Itália. Esposa, dois filhos adolescentes – o garoto Andrea e a menina Irene. É psicanalista. Ouve problemas, lamentações, delírios de toda ordem e dá conselhos. Logo no começo do filme, ele recomenda a um de seus pacientes um relacionamento mais calmo com a vida e não se sentir culpado por tudo o que acontece. É a leveza que todos procuram.

Ótimo conselho, ainda mais vindo de um psicanalista, que certamente não deve ter esse tipo de problema, já que conhece tanto a mente humana e tem saída para tantas situações, correto? Nem tanto! Giovanni não consegue seguir a própria dica. Muita atenção para tanta gente, pouca aos filhos. Passa mais tempo no consultório que com a família. E não consegue lidar com a perda do filho em um acidente no mar.

Não consegue, por se sentir culpado. Na manhã de um domingo, Giovanni convida seu filho Andrea para uma corrida juntos. Seria, possivelmente, um dos raros momentos dos dois. Na mesma hora, porém, o telefone toca: Giovanni corre para atender o chamado urgente de um paciente. O filho vai mergulhar com amigos e, então, a tragédia acontece: morre afogado. Giovanni se afunda no remorso por ter deixado de acompanhar o filho para ir amparar o paciente e sua vida se transtorna.

Mas a vida não é uma música que podemos voltar atrás. Isso, inclusive, é uma cena marcante e que, certamente, passa sem ser percebida como metáfora. Giovanni, a mulher e sua filha estão em casa, cada um em seu canto. Ele está ouvindo uma música em alto volume e começa, insistentemente, a rebobiná-la, vezes e mais vezes. Se pudesse voltar e ser mais presente, ter mais momentos com o filho e evitar o passeio no mar – ou pelo menos acompanhá-lo...

São 98 minutos de um delicado drama do nosso mundo, da nossa época. A trilha sonora tem destaque: dá uma dose de emoção para as cenas mais fortes. A montagem das cenas muito bem pensada: o enredo e o problema central são “entrelaçados” por cenas de Giovanni em seu consultório, onde curiosamente descobrimos muito sobre o psicanalista. Que sente a presença do filho quando recebe a visita de sua namorada secreta. Ela lhe mostra fotos do menino em seu quarto, o quarto do filho que o pai quase não entrava. O momento com a família na praia e risos sem motivação específica dão um belo final à trama, vencedora da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2001.

4 comentários:

Ciro Ribeiro disse...

Caramba! Parece fantástico. O próprio texto já leva a uma reflexão do modo como andamos vivendo nossas vidas... Valeu a dica!

Alexandre Cavarzan disse...

É verdade, Ciro.
Embora "La Stanza del Figlio" não seja um filme tão conhecido - ele não foi parar no circuito comercial -, apresenta-nos uma análise contundente da vida, da relação familiar e de como lidamos com grandes problemas e tabus.

Grato pelo comentário, amigo!

Mayara Vila Boa disse...

Realmente esse filme é muito bonito e comovente. Uma ótima dica para nós, humanos modernos e sem tempo. Um convite a reflexão...
Uma cena marcante é quando o psicanalista se recusa a continuar atendendo o paciente que o fez desistir de passar o dia com o filho...

Alexandre Cavarzan disse...

Muito marcante essa cena mesmo, Mayara!

E bom demais receber um comentário seu!

Beijabraços!